Quando pequeno eu rodava, rodava e rodava em torno de mim mesmo até ficar tonto e cair. Cair não era bom mas a tonteira era deliciosa.
Ficar tonto era o meu vício. Adulto eu rodo mas quando fico tonto aproveito de seus poucos instantes para voar

(Clarice Lispector)

vem repentinamente uma vontade de desistir -->


"A vida era muito dura. Não chegávamos a passar fome ou frio ou nenhuma dessas coisas. Mas era dura porque era sem cor, sem ritmo e também sem forma. Os dias passavam, passavam e passavam, alcançavam as semanas, dobravam as quinzenas, atingiam os meses, acumulavam-se em anos, amontoavam-se em décadas — e nada acontecia. Eu tinha a impressão de viver dentro de uma enorme e vazia bola de gás, em constante rotação."

(Caio Fernando Abreu)
Cobrei o que ele estava me devendo, embora devesse muito mais. Não aceitei juros, nem desculpas, apenas o cobrei da maneira que deveria tê-lo feito havia tempos, agora tarde demais. Não há mais aquela droga de sentimentalismo barato que me apetece todas as vezes em que eu, sozinho, saio de casa à noite, para alimentar meu ego com coisas negras.
A lua. Sim, a lua. Ela ainda me entende. Ela ainda consegue brilhar depois de tantas e tantas tempestades. Depois de tantas feridas e pele morta. Ela brilha por que sabe que do outro lado, de alguma maneira, o sol ainda a espera. Não brilho mais, porque não tenho um sol em minha vida.
Abri a janela. Preciso deixar o ar entrar.
Pelas frestas da noite bizarra, ainda vejo você lá fora, refletido na luz da lua, sol da meia noite.
Fecho a janela. Não quero mais olhar. Tenho medo da sensação que vem depois. Aquele frio que a brisa traz consigo. Espero. O relógio marca onze horas. Os ponteiros parecem facas afiadas prontas p'ra fatiar o tempo em pedacinhos tão pequenos que não há como contar ou procurar o que sobrou daquilo que fomos, se é que fomos um dia.
Agora vou me preocupar com o noticiário da meia-noite e esquecer que em mim, bem lá no fundo, ainda há um 'ataque suicída' nas noites em que a lua brilha cada vez mais certa de não possuir luz própria.

[A pedidos de Madallena by João]