.Camila, gritou da cozinha:
- mas João, a chuva é a consequência dos nossos medos'
- então porque ela para quando acordo?
.enquanto ela preparava o almoço, era 2006, inverno, lembro-me bem, eu ficava extasiado com essa facilidade que ela tinha de poderar certos assuntos. Ficavamos horas discutindo a vida, enquanto a vida descontava-nos horas.
- para, porque você não tem medo exatamente - ela apareceu no canto da porta com a vasilha de salada na mão direita.
- não tenho medo exatamente? mas então, o quê...?
- receio João, receio! não vejo medo nos teus olhos, vejo um cara de 22 anos que ainda não aceitou o fato de que o amor é uma faca de dois gumes.
- como assim? - fiquei perplexo, utilizar este tipo de analogia (o amor: faca de dois gumes? - pensei)
- me ajuda aqui, precisamos terminar de pôr a mesa. tenho tanta coisa p'ra fazer hoje à tarde, nem sei por onde começar.
- tá, mas... como assim?
- os pratos João. os pratos.
- não, não. falo sobre o que você acabou de falar. amor, faca, dois gumes, receio...?
- você entendeu João? não é perito em analisar os fatos? pois comece... comece pensando do jeito que me conheceu...
- foi a...
- sim, mas tirando isso, tirando quem nos apresentou. comece desde o início, quando ainda trocávamos conversas pelo msn, lembra?
- lembro. eramos dois 'apaixonados' de merda.
- não Jô, não eramos apaixonados, muito menos de merda. eramos sonhadores, era isso que nós dois tinhamos em mente, de que sonhar é um abismo que nos separa da realidade, que nos puxa para dentro de nós mesmos. e lá, enquanto chove, perdemos o receio, ou medo, sei lá como você quer chamar essa sensação tola.
- vejo um abismo quando estou acordado também - exclamei enquanto terminava de pôs os copos sobre a mesa.
.Camila colocou o macarrão na vasilha. Agora estava pronto para ser servido. Ralou uma grossa camada de queijo por cima.
- Hum, o cheirinho está ótimo - eu disse.
- Também, o que você queria? Fui em quem fez! - rebateu, cheia de modéstia.
.enquanto riamos alto de tudo, a chuva voltou a cair lá fora. agora mais intensa.
- Droga, quero ver conseguir voltar pra casa com essa enxurada toda.
- Calma. Coma a massa! Temos toda a tarde pra desfrutar e terminar esse assunto que não foi a primeira e nem a ultima que discutimos.
- Mas e os outros? A tua mãe?
- Ela chega mais tarde hoje.
- Hum...
.discutimos a tarde toda, a semana, o mês, o ano. 2006 se foi, 2007, 2008 e hoje ainda não encontrei a resposta. posso discutir a vida inteira, mas enquanto o problema partir de mim, não há fio da meada que não se parta.

[João]